31.05.2012 -
[...] Segundo a tradição e a sagrada liturgia, o principal argumento em que se funda a dignidade régia de Maria é, sem dúvida, a maternidade divina.
Na verdade, do Filho que será dado à luz pela Virgem, afirma-se na Sagrada Escritura: “chamar-se-á Filho do Altíssimo e o Senhor Deus dar-lhe-á o trono de Davi, seu pai; reinará na casa de Jacó eternamente, e o seu reino não terá fim”(Lucas 1,32,33); ao mesmo tempo que Maria é proclamada “a Mãe do Senhor” (Lucas 1,43). Daqui se segue logicamente que Maria é Rainha, por ter dado a vida a um Filho, que no próprio instante da sua concepção, mesmo como homem, era Rei e Senhor de todas as coisas, pela união hipostática da natureza humana com o Verbo. Por isso, muito bem escreveu São João Damasceno: “Tornou-se verdadeiramente senhora de toda a criação, no momento em que se tornou Mãe do Criador”. E assim o arcanjo Gabriel pode ser chamado o primeiro arauto da dignidade real de Maria.
Contudo, nossa Senhora deve proclamar-se Rainha, não só pela sua maternidade divina, mas ainda pela participação singular que Deus quis que Ela tivesse na obra da salvação. “Que pode haver – escrevia nosso predecessor de feliz memória, Pio XI – mais doce e suave do que pensar que Cristo é nosso Rei, não só por direito de natureza, mas ainda por direito adquirido, isto é, pela redenção? Repensem todos os homens, esquecidos do quanto custamos ao nosso Redentor e recordem todos: “Não fostes remidos com ouro ou prata, bens corruptíveis[...], mas pelo precioso sangue de Cristo, cordeiro imaculado e sem mancha’.(1ª Pedro 1,18,19) “Não pertencemos portanto a nós mesmos, pois Cristo a alto preço nos comprou”.(1ª Coríntios 6,20).
Sua cooperação na redenção
Ora, ao realizar-se a obra da redenção, Maria santíssima foi intimamente associada a Cristo, e por isso justamente se canta na sagrada liturgia: “Santa Maria, Rainha do céu e Senhora do mundo, estava traspassada de dor, ao pé da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. E um piedosíssimo discípulo de Santo Anselmo podia escrever na Idade Média: “Como… Deus, criando todas as coisas pelo seu poder, é Pai e Senhor de tudo, assim Maria, reparando todas as coisas com os seus méritos, é mãe e senhora de tudo: Deus é senhor de todas as coisas, constituindo cada uma delas na sua própria natureza pela voz do seu poder, e Maria é Senhora de todas as coisas, reconstituindo-as na sua dignidade primitiva pela graça, que lhes mereceu”. De fato “como Cristo, pelo título particular da redenção, é nosso senhor e nosso rei, assim a bem-aventurada Virgem [é senhora nossa] pelo singular auxílio, prestado à nossa redenção, subministrando a sua substância e oferecendo voluntariamente por nós o Filho Jesus, desejando, pedindo e procurando de modo singular a nossa salvação”.
Dessas premissas se podem argumentar: Se Maria, na obra da salvação espiritual, foi associada por vontade de Deus a Jesus Cristo, princípio de salvação, e o foi quase como Eva foi associada a Adão, princípio de morte, podendo-se afirmar que a nossa redenção se realizou segundo certa “recapitulação”, pela qual o gênero humano, sujeito à morte por causa duma virgem, se salva também por meio duma virgem; se, além disso, pode-se dizer igualmente que essa gloriosíssima Senhora foi escolhida para Mãe de Cristo “para lhe ser associada na redenção do gênero humano” e, se realmente, “foi ela que – isenta de qualquer culpa pessoal ou hereditária, e sempre estreitamente unida a seu Filho – o ofereceu no Gólgota ao eterno Pai, sacrificando juntamente, qual nova Eva, os direitos e o amor de mãe em benefício de toda a posteridade de Adão, manchada pela sua desventurada queda”, poder-se-á legitimamente concluir que, assim como Cristo, o novo Adão, deve-se chamar Rei não só porque é Filho de Deus, mas também porque é nosso redentor. Assim, segundo certa analogia, pode-se afirmar também que a bem-aventurada Virgem Maria é Rainha, não só porque é Mãe de Deus, mas ainda porque, como nova Eva, foi associada ao novo Adão.
Sua sublime dignidade
É certo que no sentido pleno, próprio e absoluto, somente Jesus Cristo, Deus e homem, é Rei, mas também Maria – de maneira limitada e analógica, como Mãe de Cristo-Deus e como associada à obra do divino Redentor, a sua luta contra os inimigos e ao triunfo deles obtido participa da dignidade real. De fato, dessa união com Cristo-Rei deriva para ela tão esplendente sublimidade, que supera a excelência de todas as coisas criadas: dessa mesma união com Cristo nasce aquele poder real, pelo qual ela pode dispensar os tesouros do reino do Redentor divino; finalmente, da mesma união com Cristo se origina a inexaurível eficácia da sua intercessão junto do Filho e do Pai.
Portanto, não há dúvida alguma que Maria Santíssima se avantaja em dignidade a todas as coisas criadas e tem sobre todas o primado, a seguir ao seu Filho. “Tu finalmente, canta São Sofrônio, superaste em muito todas as criaturas… Que poderá existir mais sublime que tal alegria, ó Virgem Mãe? Que pode existir mais elevado que tal graça, a qual por divina vontade só tu tiveste em sorte?” A esses louvores acrescenta São Germano: “A tua honra e dignidade colocam-te acima de toda a criação: a tua sublimidade faz-te superior aos anjos”. São João Damasceno chega a escrever o seguinte: “É infinita a diferença entre os servos de Deus e a sua Mãe”.
Para melhor compreendermos a sublime dignidade, que a Mãe de Deus atingiu acima de todas as criaturas, podemos considerar que a Santíssima Virgem, desde o primeiro instante da sua conceição, foi enriquecida de tal abundância de graças que supera a graça de todos os santos.
Por isso, como escreveu na carta apostólica Ineffabilis Deus o nosso predecessor, de feliz memória, Pio IX, Deus “fez a maravilha de a enriquecer, acima de todos os anjos e santos, de tal abundância de todas as graças celestiais hauridas dos tesouros da divindade, que ela – imune de toda a mancha do pecado, e toda bela apresenta tal plenitude de inocência e santidade, que não se pode conceber maior abaixo de Deus, nem ninguém a pode compreender plenamente senão Deus”.
Com Cristo, ela reina nas mentes e vontades dos homens
Nem a bem-aventurada Virgem Maria teve apenas, ao seguir a Cristo, o supremo grau de excelência e perfeição, mas também participou ainda daquela eficácia pela qual justamente se afirma que o seu divino Filho e nosso Redentor reina na mente e na vontade dos homens. Se, de fato, o Verbo de Deus opera milagres e infunde a graça por meio da humanidade que assumiu e se utiliza dos sacramentos e dos seus santos como instrumentos para salvar as almas, por que não há de servir-se do múnus e ação de sua Mãe santíssima para nos distribuir os frutos da redenção? “Com ânimo verdadeiramente materno para conosco, como diz o mesmo predecessor nosso, de feliz memória, Pio IX – e ocupando-se da nossa salvação, ela, que pelo Senhor foi constituída rainha do céu e da terra, toma cuidado de todo o gênero humano, e – tendo sido exaltada sobre todos os coros dos anjos e as hierarquias dos santos do céu, e estando à direita do seu unigênito Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor – com as suas súplicas maternas impetra com eficácia, obtém quanto pede, nem pode deixar de ser ouvida”. A esse propósito, outro nosso predecessor, de feliz memória, Leão XIII, declarou que foi concedido à bem-aventurada virgem Maria um poder “quase ilimitado” na distribuição das graças; São Pio X acrescenta que Maria desempenha esta missão “como por direito materno”.[...]
Excerto da carta encíclica do Papa Pio XII “Ad Caeli Reginam” sobre a realeza de Maria e a instituição da sua festa, n°s. 34-40. Publicado no boletim paroquial “A Voz da Rainha”, Pe. Renato Leite, de Maio de 2011.
Fonte: http://fratresinunum.com/