21.03.2012 - Os cartéis do narcotráfico transformaram o México, um país de profunda tradição religiosa, em cenário de uma violência que fez mais de 50.000 mortos em cinco anos, e da qual não escapam nem mesmo os sacerdotes - alguns assassinados, e outros acusados de aceitar dinheiro dos chefões para construir igrejas.
Durante o governo do presidente Felipe Calderón, que lançou as operações contra o tráfico, com grande participação militar, foram mortos 13 padres e uma jornalista de um movimento missionário católico chegou a ser decapitada; sua cabeça foi deixada sobre o teclado de um computador, na entrada de um jornal do estado de Tamaulipas, nordeste.
"O México se transformou no país latino-americano mais perigoso para exercer o ministério sacerdotal", diz um estudo do Centro Católico de Multimídia (CCM) divulgado recentemente na imprensa mexicana.
O cardeal hondurenho Oscar Rodríguez Maradiaga, presidente da Caritas International, disse à AFP, em Roma, que o Papa Bento XVI condenará o flagelo do narcotráfico, durante a viagem ao México, de 23 a 26 de março, dirigindo-se, inclusive, aos traficantes "que se dizem católicos" mas que, na realidade são "os responsáveis pela violência".
"Os religiosos vivem a violência como se estivessem em tempos de guerra. Em algumas zonas como Chihuahua, Sinaloa, Durango e Tamaulipas (no norte do país), os criminosos agem a sangue frio", diz o estudo Análise dos Atentados contra Sacerdotes no México, do CCM.
Raúl Vera, bispo de Saltillo, capital do estado de Coahuila, na fronteira com os Estados Unidos, disse à AFP que são comuns os relatórios sobre sacerdotes ameaçados em seu trabalho pastoral.
"Recebem telefonemas de pessoas que os obrigam a pagar ''piso''" (extorsão) relata Vera, que em 2010 ganhou o prêmio mundial da fundação norueguesa ''Rafto de direitos humanos'', pela coragem em denunciar as ações dos grupos criminosos, mas também os abusos das autoridades.
O próprio Vera foi alvo dessas ameaças, admitindo que vários sacerdotes precisaram receber proteção, especialmente os que trabalham em casas como os albergues para milhares de migrantes, em maioria centro-americanos que, na passagem pelo México, em direção aos Estados Unidos, vêm sendo alvo de extorsões, sequestros e mortes por dirigentes de cartéis como Los Zetas.
Receberam "inúmeras ameaças, estando sob assédio constante".
Outro exemplo é o sacerdote Alejandro Solalinde, diretor de um albergue em Oaxaca (sul, na fronteira com a Guatemala), que se tornou conhecido no país por denunciar o conluio das autoridades de migração e da polícia locais com grupos que sequestram e praticam extorsões.
Solalinde prossegue com seu trabalho, apesar das numerosas ameaças de morte e a Anistia Internacional iniciou uma campanha para exigir das autoridades garantias por sua vida.
"Representamos um impedimento para o crime organizado porque os sequestros de migrantes são um negócio muito rentável", destaca Vera.
Mas a Igreja não escapa a outro tipo de pressão mais sutil: a dos generosos donativos dos traficantes para a construção de igrejas ou para obras sociais.
O caso mais evidente aconteceu em 2010 quando o nome do chefão de Los Zetas, Heriberto Lazcano, por cuja cabeça é oferecida uma recompensa de 7 milhões de dólares, apareceu na placa de inauguração de um centro de catequese na região de San Juan de Los Lagos (Hidalgo, centro).
O cartel Los Zetas foi criado por militares que desertaram nos anos 90.
"Senhor, ouve a minha oração, atenda às minhas preces, responde-me, tu que és fiel e justo" diz a placa onde se lê, claramente, que o centro foi doado por Lazcano. O sacerdote chegou a ser suspenso e a promotoria abriu uma investigação contra ele.
"Sabemos que os traficantes (...) buscam uma forma de se redimir, em termos religiosos, mas não se pode lavar os pecados com uma doação", disse Hugo Valdemar, porta-voz da Arquidiocese do México.
A visita do Papa está precedida por um pedido de trégua aos cartéis, feito por Dom José Martín Rábago, arcebispo de León, cidade onde Bento XVI vai se hospedar.
Los Caballeros Templarios, um cartel surgido de uma divisão de um outro, o La Familia Michoacana, alardeia princípios baseados na Bíblia e já respondeu à arquidiocese, anunciando que não vai praticar atos violentos. O governo afirma, por sua vez, que a segurança do Papa está garantida.
Operam no México pelo menos sete grandes cartéis do narcotráfico e quatro menores.
Fonte: Terra noticias
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