24.01.2012 - Destaco e comento um trecho da obra O conceito de angústia, do escritor dinamarquês Søren Kierkegaard – eu sei, ele é protestante, mas o que enuncia é de muito valor também para nós, católicos.
“A verdade sempre teve muitos que a proclamaram em altos brados, mas a questão é saber se um homem quer, no sentido mais profundo, conhecer a verdade, quer deixá-la permear todo o seu ser, assumir todas as suas consequências, e não ter um esconderijo para si, em caso de necessidade, e ‘um beijo de Judas’ para as consequências.”
“Nos nossos tempos recentes tem-se falado bastante a respeito da verdade; agora já está na hora de se insistir na certeza, isto é, na interioridade (…).”
“A certeza, a interioridade, que só se alcança pela e só existe na ação, determina se o indivíduo é ou não é demoníaco. É só manter firme a categoria que tudo se resolverá, e se tornará claro, por exemplo, que arbitrariedade, descrença, escárnio à religião, etc., não carecem, como se acredita geralmente, de conteúdo (de verdade), mas carecem de certeza, bem no mesmo sentido como crendice, subserviência, beatice. Os fenômenos negativos carecem justamente da certeza, porque eles residem na angústia diante do conteúdo.”
“Não é do meu gosto proferir grandes palavras sobre nossa época como um todo, mas aquele que já observou a geração que vive hoje não iria querer negar que a desarmonia que há nela e a razão para sua angústia e inquietude consistem em que numa direção cresce a verdade em abrangência, em massa, em parte também em clareza abstrata, enquanto que a certeza interior constantemente diminui. Que extraordinários esforços metafísicos e lógicos não foram feitos em nosso tempo para conseguir uma demonstração nova, exaustiva, absolutamente correta, combinando todas as demonstrações anteriores, da imortalidade da alma, e, é bem estranho, enquanto isso acontece, a certeza interior diminui. A ideia da imortalidade contém em si um poder, uma energia em suas conseqüências, uma responsabilidade quando admitida, que talvez venha a transformar toda a vida, de um modo que se teme. Então o que se faz é salvar e tranqüilizar a alma forçando-se o pensamento para produzir uma nova prova. O que é uma tal prova senão uma boa obra no sentido puramente católico! Qualquer individualidade deste tipo que, para ficarmos no exemplo, saiba levar a efeito a demonstração da imortalidade da alma, mas não esteja convencida ela mesma, há de sempre experimentar a angústia diante de qualquer fenômeno que queira tocá-la de tal modo que a force à compreensão mais extrema do que significa dizer que um ser humano é imortal. Isso a perturbará, ela se sentirá desconfortavelmente tocada quando alguma pessoa bem singela falar de maneira bem singela sobre a imortalidade.”
O último parágrafo é, de um modo particular, muito especial; faz um convite a todos nós, cristãos, a fim de que reflitamos um pouco como temos caminhado diante de Deus, e como temos cuidado daquela parte nossa que permanece viva, mesmo depois que morremos.
“A ideia da imortalidade contém em si um poder”. E é necessário reconhecer este poder. Que esta ideia – a da imortalidade da alma – seja poderosa, que possa realmente mudar a vida de um indivíduo, é bem verdade; o testemunho de tantos homens e mulheres que, ao longo dos anos, doaram a sua vida pela causa do Evangelho, serve-nos de prova. Mas, é preciso não somente que reconheçamos o poder da ideia, mas que – utilizando os termos de Kierkegaard – assumamos em nossa vida a ‘certeza’, pois é somente desta forma que proclamaremos com autenticidade a ‘verdade’ da Fé.
O problema que muitas vezes nós mesmos criamos, impedindo-nos de assumir para nossa vida aquela certeza, é geralmente um medo, medo de que aquela Verdade cuja face foi conhecida venha a desfigurar a nossa vida que até então vínhamos levando tão comodamente. Mas o conhecimento da verdade, embora acompanhado de renúncias, não é e nem deve ser encarado como uma realidade que desfigura; pelo contrário, o encontro com o Cristo deve ser uma etapa de verdadeira transfiguração, no qual nos deparamos com a Cruz, enxergando o mistério do sofrimento, mas do sofrimento vivido por amor.
Nem sempre adentrar neste mistério é fácil. Por isto, diz Kierkegaard, não raras as vezes “o que se faz é salvar e tranqüilizar a alma forçando-se o pensamento para produzir uma nova prova”…
Os céticos contemporâneos vivem à procura de provas… Querem porque querem que lhes seja mostrado o porquê disto, daquilo. Quando se lhes é apresentado um milagre, cujo fundamento a ciência simplesmente não consegue perscrutar, arrumam uma desculpa para não crer, alegando que, num futuro próximo, certamente nem os maiores mistérios escaparam do crivo infalível da ciência e da experiência empírica. O que fazem é tranqüilizar a alma… “Acalma-te, consciência, não te inquietes por pouca coisa… Sempre há uma desculpa, um subterfúgio, uma maneira de fugir…”
O que Jesus quer dizer a estas pessoas não são palavras meigas, carinhosas, gentis… São palavras incômodas, que inquietam, que atormentam de fato. Estas palavras não precisam ser palavras no sentido denotativo… Podem ser simplesmente acontecimentos. A divina Providência se utiliza de todos os meios possíveis para buscar a salvação do homem.
Chegará um dia, porém, em que a morte porá um fim, não à nossa alma, mas à nossa possibilidade de mudança, e aí, então, não poderemos mais fugir da verdade, nem tranqüilizar a nossa alma com palavras doces… Como estaremos, neste dia, data que nenhum dos homens conhece, mas somente o Todo-Poderoso…?!
Graça e paz.
Salve Maria Santíssima!
Fonte: http://beinbetter.wordpress.com
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