“Caro cibus, sanguis potus/ manet tamen Christus totus sub utraque specie – O pão é a carne e o vinho é o sangue; todavia debaixo de cada uma das espécies Cristo está totalmente“. Eis como cantamos hoje na Sequência celebrando a Solenidade de Corpus Christi. A Igreja nos chama a adorar piedosamente a Eucaristia, que nos fortalece em nossa caminhada. Hoje somos convidados a olharmos para aquele dia em que Nosso Senhor, somente por amor, doa seu Corpo e Sangue pela nossa salvação. A celebração que hoje realizamos nos põe diante de um gesto presente, mas também escatológico. Primeiro reunimo-nos em volta do Senhor, comemos do seu corpo e bebemos do seu sangue; segundo é o gesto do caminhar, isto é, a procissão que tradicionalmente realizamos nos ensina que todos somos peregrinos para o Pai, que caminhamos para um encontro definitivo com Jesus Cristo e, por conseguinte, para a eterna felicidade; e em terceiro o gesto definitivo que é ajoelhar-se e adorar o Senhor, reconhecer a sua onipotência e agradecê-lo por se nos dar em alimento.
Neste dia a Igreja revive a Quinta-feira Santa, agora já à luz do mistério grandioso da Ressurreição. Na primeira leitura, retirada do Deuteronômio, faz-se memória da peregrinação do povo hebreu por quarenta anos, rumo a terra prometida, e lá se diz: “Ele te humilhou, fazendo-te passar fome e alimentando-te com o maná que nem tu nem teus pais conhecíeis, para te mostrar que nem só de pão vive o homem mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 3). Estas palavras são também dirigidas a nós, que fazemos parte de uma geração não mais confiante somente na palavra do Senhor, em sua paternal bondade e solicitude, mas, muito mais, por ela romper neste estreito vínculo com Deus e passar a gerar “falsas palavras”, que conseguem persuadir a tantos. Aquele maná, dado outrora aos hebreus, ganha mais tarde um novo significado, alcança, por assim dizer, a “plenitude” do termo em Jesus Cristo, pão eterno e verdadeiro dado a todos os homens. E por meio deste “dar-se” Ele plenifica e perpetua a sua estada em nosso meio.
Desta forma é rompida e suprimida a ausência deste espaço de tempo que nos separam de Cristo. Com essa perpétua estadia conosco Ele não retira-se do mundo, não está invisível, ausente, obscurecido pelo tempo. Também para o homem hodierno esta é uma esperança: Ainda que abandonemos a Deus Ele nunca nos abandonará. Ainda que d’Ele nos afastemos Ele sempre estará ao nosso lado! Por isso, tenhamos confiança! Quem confia no Senhor nunca será desamparado!
“Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre” (Jo 6, 58). Não basta comermos o Corpo do Senhor e permanecermos indiferentes à sua graça salvífica, é preciso aceitarmos ser transformados por Ele. É preciso carregar em nós Aquele que recebemos e demonstrá-Lo ao mundo.
Sobre este vínculo de unidade com o Senhor São Paulo nos diz na segunda leitura: “O cálice da bênção, o cálice que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? E o pão que partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo? Porque há um só pão, nós todos somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão” (cf. 1 Cor 10, 16-17). Este é, sobretudo, um dos principais aspectos da Eucaristia: congregar a todos os povos diante de um único Senhor. Gostaria de dizer primeiramente que este aspecto é sinônimo de reconhecê-lo como verdadeiro Deus, de n’Ele encontrar a plena felicidade e o fundamento da esperança e do amor; caso contrário não é Deus. Quem se curva diante do dinheiro e dos prazeres terrenos fazendo-os centro de suas vida, não pode curvar-se diante de Deus. Depois: O verdadeiro Deus une a todos em seu amor, acolhe aos pecadores e ampara aos fracos, não faz distinção de ideias políticas, de nacionalidade, de profissão, mas une os homens em um único corpo: a Igreja, firmada em um único alicerce: o amor de Deus, partilhando um único Pão: Cristo.
Ademais, esta Solenidade é um momento sempre propício para nos alertar para a crescente tentação ao individualismo que sempre vem ganhando espaço na sociedade, e mesmo dentro da Igreja; esse constitui um desvio na estrada a caminho do Mestre, além de ser totalmente contrário ao que Ele ensinara. A Eucaristia é unidade, fraternidade, amor. Outro risco que corre-se, porém, é de generalizar tais palavras a ponto de chegar-se ao extremo de relacionar a Igreja com brigas políticas e sociais. “A Igreja, recordara muitas vezes o Beato João Paulo II, não é uma instituição democrática”, mas é “um projeto que nasceu no Coração do Pai” (Catecismo da Igreja Católica §759). Mediante isso, as vontades humanas não contam e não prevalecem, mas somente a divina.
São Leão Magno recorda que “a nossa participação no corpo e no sangue de Cristo não tende para se tornar senão o que recebemos” (Sermo 12, De Passione 3, 7, pl 54). Eis que recebendo Cristo, Pão vivo, também somos chamados a configurar-nos a Ele, a sermos testemunhas do Seu Reino hoje. Como bem dissera o Sumo Pontífice Bento XVI: “Todos podem se abrir à ação de Deus, ao seu amor; com o nosso testemunho evangélico, nós cristãos devemos ser uma mensagem viva, aliás, em muitos casos somos o único Evangelho que os homens de hoje ainda leem” (Homilia na Quarta-feira de Cinzas, 2011). Demonstrai, cristãos, ao mundo, que vós sois Evangelhos vivos e testemunhas verdadeiras! Que sejamos reconhecidos, antes de tudo, pelas nossas ações, imitadoras de Cristo, ainda que por vezes sejam falhas, mas que sejam imitadoras. Portemos a esperança ao mundo! Mas, mais ainda, portemos o mundo à Esperança verdadeira e perpétua.
“A Eucaristia é o alimento destinado àqueles que no Baptismo foram libertados da escravidão e se tornaram filhos; é o alimento que ampara no longo caminho do êxodo através do deserto da existência humana. Como o maná para o povo de Israel, assim para cada geração cristã a Eucaristia é alimento indispensável que ampara enquanto atravessa o deserto deste mundo, ressequido por sistemas ideológicos e econômicos que não promovem a vida, mas ao contrário a mortificam; um mundo no qual domina a lógica do poder e do ter em vez da do serviço e do amor; um mundo no qual com frequência triunfa a cultura da violência e da morte. Mas Jesus vem ao nosso encontro e infunde-nos segurança: Ele mesmo é ‘o pão da vida’ (Jo 6, 35.48)” (Bento XVI, Homilia de Corpus Christi 2007).
“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 10, 21). Para muitos que ali se encontravam foram “duras” tais palavras. Deveras, a limitação da inteligência humana faz com que seja incapaz de entender os insondáveis mistérios da salvação. Para nós, porém, estas palavras portam esperança e vida, destinadas a toda a sociedade e confiada a todos os homens.
Invoquemos agora a Virgem Maria, “Mulher Eucarística”, como dissera o Papa João Paulo II, e peçamos que Ela seja nossa intercessora junto a Deus. Peçamos também que todo o mundo possa abrir-se a Cristo Eucarístico, que este possa produzir em nós os seus efeitos redentores. “Alimentai-nos e defendei-nos e fazei que mereçamos fruir da vossa glória na Terra dos vivos. Vós que tudo conheceis e tudo podeis fazer, e nos alimentais aqui, na Terra, da mortalidade, admiti-nos, Senhor, lá no Céu, à vossa mesa e dai-nos parte na herança e na companhia dos que moram na cidade santa. Amém. Aleluia” (Sequencia).
Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/