Artigo do Seminarista Ian Farias: Paz e misericórdia que emanam do Senhor Ressuscitado


01.05.2011 - Neste segundo Domingo da Páscoa, a Igreja nos convida a celebrar três grandes festas que a tomam de profunda alegria, emanada do Senhor ressuscitado. Em primeiro lugar, temos a continuação do Mistério Pascal, vivendo intensamente a vitória do Senhor sobre o pecado e a morte. Em segundo lugar temos a Festa da Divina Misericórdia, que por ordem de Jesus, por intermédio de Santa Faustina, foi instituída no segundo domingo após a Páscoa. E uma terceira ocasião que acrescenta-se a este dia é a Beatificação do Papa João Paulo II, que com a sua vida, soube testemunhar o Evangelho, servindo a Deus e à Igreja.

No dia da Ressurreição, quando ainda não se lembravam das palavras de Jesus, os discípulos encontravam-se perturbados com o sumiço do corpo do Mestre, imaginando que fora roubado. Mas enganavam-se! Aquele que a morte parecia ter destruído, destruiu a morte. Agora, vivo, Jesus renova a todas as coisas, e esta renovação não parte de uma ideologia. A renovação proposta por Jesus não é apenas exterior, e sua ressurreição não é uma estória, mas uma realidade que foi necessária para libertar a todos os homens da cegueira, da obscuridão, gerada pelas trevas. E como outrora encontrava-se uma geração cega, também hoje muitos ainda estão cegos, não obstante a luz de Cristo que brilha e ilumina os caminhos pelos quais devem os homens trilhar. No entanto, para que a luz cumpra sua função, não se pode depender somente dela, mas também daquele que se deixa ou não iluminar. Se estamos a enxergar a luz, mas não queremos trilhar o caminho que nela resplandece, não é culpa dela se tantos ainda continuam nas trevas.

Desejo, por um instante, deter-me na narração evangélica deste dia. No dia para nós feito (Sl118, 24), tendo o Senhor ressuscitado pela manhã, à noite aparece aos seus, que estavam reunidos com as portas fechadas, pois temiam aos judeus que já haviam matado a Jesus, e, sem dúvida, no-lo tentariam matar também.

Estando com as portas fechadas, põe-se o Senhor no meio deles e diz: “Pax vobis – Paz a vós” (Jo 20,19). Paz a vós que tendes inimigos a cercar-vos por todos os lados, como outrora encontravam-se os apóstolos; a vós que nem dentro de vossas casas estais seguros; a vós que sois perseguidos por minha causa; a vós que havereis de morrer por meu nome. E hoje diz-nos também: Paz a vós! A vós que tendes fome; a vós que sois excluídos da sociedade porque condenais suas ideologias anticristãs; a vós que em mim confiais, ainda quando achais que vos esqueci; a vós que credes na Igreja, mesmo diante de tantas perseguições da mídia e diante das diversas tentativas de Satanás para denigrí-la; a vós que sabeis perdoar e rezar pelos que não vos amam; enfim, a todos vós: Paz! E é esta tão almejada pelos vários âmbitos da sociedade, mas nem todos sabem o caminho para alcançá-la. Quantos não se desapegam da paz verdadeira para apegar-se a ideologias falsas de pacificação que o mundo oferece, sem valores evangélicos e firmadas em bases insipientes e frágeis. A inquietação humana, os constrangimentos e a falta de fé são consequências da relutância do homem por falta de uma paz consistente, verdadeira. E enquanto agirem desta forma não poderão reconhecer no próximo um irmão e sim um inimigo a ser combatido.

No seu livro dezenove da Cidade de Deus, Santo Agostinho afirma: “Pax hominus est ordinata concórdia – A paz dos homens é uma concórdia ordenada”. Pois certo estava ao afirmá-lo, uma vez que, se não fosse ordenada, ainda que seja concórdia, não seria paz. A ordem gera a paz, e mesmo Cristo quis que assim fosse. Mas esta ordem não pode ser uma imposição desregrada que tenha em vista beneficiar apenas um determinado grupo.

Nela não deve haver exclusões e nem deve-se fazer utilização interesseira da ordem para aniquilar aqueles que se opõem a nós. Se assim agíssemos estaríamos a constituir novos regimes totalitários, onde não se respeitariam os valores humanos, mas apenas aquilo que agradasse aos homens, e a Escritura é clara ao dizer: “Não há paz para os ímpios” (Is 48,22). A verdadeira paz sabe respeitar o próximo e empenha-se em um justo diálogo, despojado das armas, da violência e de qualquer outro preconceito. Esta transpõe as “paredes” que bloqueiam a reciprocidade entre países e povos. E tais como esta deve ser a mensagem evangélica: transpor todas as barreiras.

Duas coisas são necessárias para que se haja esta concórdia ordenada: “Da parte superior, e do que manda, igualdade; da parte dos inferiores, e dos que são mandados, paciência. Sem igualdade de uma parte, e sem paciência de outra, não se poderá conseguir nem conservar a paz. Vós que na família ou na república tendes o mando, se quiseres paz, igualdade; vós que na família ou na república sois mandados e sujeitos, se quereis paz, paciência” (Pe. Antônio Vieira, Sermão da segunda oitava da Páscoa).

Cristo dá-nos hoje verdadeiro exemplo de igualdade: “Pondo-se no meio dos discípulos, disse: Paz a vós” (Jo 20, 19). Coisa é – e muito notável! – que diga o evangelista que Cristo pôs-se no meio. E sempre esteve Cristo no meio: Na Transfiguração, na Ceia, na Crucifixão, e agora ali. Não estava Ele no centro apenas por ser o Senhor de todas as coisas, mas por ser o doador de tudo. Na transfiguração é luz; na ceia faz-se comida e bebida; na crucifixão é doador da salvação; e com os discípulos dá a paz. Naquele instante com suas palavras ensina a paz e com o lugar ensina o meio de a conseguir: a igualdade. Maravilhosa e suma igualdade é esta de Cristo! Estava cercado de Pedro, que o tinha negado, e de João, a quem muito amava e que o segui até o pé da cruz, mas nem se afasta de Pedro e nem se aproxima de João, senão que fica no centro de todos, a todos fala de igual forma e a nenhum favorece mais. “A todos – dirá Padre Vieira – oferece a paz: Pax vobis; a todos tira o temor: Nolite timere; a todos anima e consola: Quid turbat estis? A todos convida: Habetis aliquid quod manduceter? A todos regala: Dedit eis relíquias; a todos se entrega e franqueia todo: Pulpate, et videte” (op. cit.). Mas nem mesmo de João Vos aproximastes mais? Não! Pois o que portava Cristo em si e consigo era a paz. E se não houver igualdade, e igualdade para todos, não há paz.

Além daquela perturbação exterior, que incomoda a tantos seres que deveriam portar a paz, há aquela causada interiormente pelo pecado e pelo estar fora da graça. Assim, São Tomás de Aquino dirá: “Ninguém é privado da graça santificante a não ser em razão do pecado, razão pela qual o homem se afasta do verdadeiro fim e estabelece o fim em algo não verdadeiro. Assim sendo, seu apetite não adere principalmente ao verdadeiro bem final, mas a um bem aparente. Por esta razão, sem a graça santificante, não pode haver verdadeira paz, mas somente uma paz aparente” (Suma teológica II-II, q. 29, a. 3).

Como Tomé estão muitos hoje. Quantas vezes deixamo-nos levar pela incredulidade e pela desesperança? Quem temos colocado no centro de todas as coisas? Será que é a Jesus que temos dedicado particular atenção? Sim, Cristo deve ser o nosso centro! Não o mundo com sua aparente autoridade; não as nossas vontades, mas Cristo. Eis que de todos os lados somos puxados, exceto no centro. De um lado somos puxados pelo negativismo e pelo consumismo, pela inveja e pela autossuficiência; do outro somos puxados por um positivismo exacerbado, pela cultura politeísta que o mundo tende a centralizar, pelo querer o homem que Deus faça suas vontades. O único lugar que não será o homem puxado é no centro. E não tem a terra mais que um centro; e não deve ter a nossa vida mais que um centro: Jesus Cristo.

“Qual a maior desigualdade que jamais fez Deus, e qual a maior que cometeram os homens?” Pergunta Padre Vieira. Ao que responde: “A maior desigualdade que fez, nem podia fazer Deus, foi dar seu Filho pela redenção do homem. Vender o Filho para resgatar o escravo; condenar a inocência para absolver a culpa; morrer o imortal para ressuscitar o morto; deixar quebrar e perder os diamantes, para reparar o bano. Enfim, padrecer o Criador para que a criatura vil não padeça… E a maior que cometeram os homens, qual foi? Venderam esse mesmo Filho, e pregaram esse mesmo Filho com cravos em uma cruz… Oh bárbara, oh desumana, oh horrenda, oh sacrílega, oh infernal desigualdade! A de Deus mais que admirável por excesso de misericórdia, a dos homens mais que abominável por ultimo extremo de injustiça e crueldade” (op. cit.). Mas, mesmo com a violência, não perde Cristo o título de Príncipe da Paz, outrora outorgado pelos profetas (cf. Is 9,6). Tão cruéis foram os homens com Cristo, e tão manso fora Cristo com os homens! A que lhe haveremos de atribuir tão grande feito? “A paz que eu vos dou não a dou como o mundo no-la dá” (Jo 14, 27).

Tamanha é a misericórdia do Senhor. Por isso Santo Agostinho exalta-a de forma admirável: “Quem tão longânime, quem tão abundante em misericórdias? Pecamos e vivemos; aumentam os pecados e vai-se prolongando a nossa vida; blasfema-se todos os dias, e o sol continua nascendo sobre bons e maus. Por todos os lados convida-nos à correção, por todas as partes, à penitência, falando-nos por meio dos benefícios das criaturas, concedendo-nos tempo para viver, chamando-nos pela palavra do pregador, por nossos pensamentos íntimos, pelo açoite e castigos, pela misericórdia do consolo” (Enarrationes in Psalmos Ps 102,16).

Na Sua aparição a Santa Faustina Kowalska, Jesus lhe diz: “As almas se perdem apesar da minha amarga Paixão. Ofereço-lhes a última tábua de salvação, ou seja, a Festa da Minha Misericórdia. Se não adorares Minha Misericórdia, morrerão por toda a eternidade. Secretária da Minha Misericórdia, escreve, fala às almas desta grande misericórdia, pois está próximo o dia terrível, o dia da Minha justiça” (Diário de Santa Faustina,nº 965 ).
A todos quer o Senhor salvar, mas nem todos querem se aproximar Dele. O próprio Cristo recorda a dureza dos corações humanos. E hoje faço-vos o convite: Ide à Misericórdia Divina! Aproximai-vos sem temor dela! No quadro que Jesus mandou que pintasse, em honra a Sua misericórdia, encontra-se a inscrição: Jesus, eu confio em Vós! Sim, Senhor, em Ti eu confio, e a tua Misericórdia eu adoro. Voltai-vos para nós, pobres pecadores, e dai-nos a graça de contemplar Vossa face por toda a eternidade. Damos graças pela Beatificação do Vosso servo o Papa João Paulo II. Que a vida de intimidade convosco que teve ele, nos sirva de exemplo, para que possamos chegar um dia a santidade, que todos os homens são convidados.

Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/


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