22.04.2011 - Hoje o Senhor oferece-se por nós todos, dando sua própria vida como preço pela nossa salvação. Ah, dia de luto e de grande tristeza! No entanto, esta tristeza não é aquela “que perdeu a esperança, que já não confia no amor nem na verdade e que por isso desagrega e arruína o homem por dentro”; porém, é “a tristeza que vem do abalo, da comoção provocada pela verdade, que leva o homem à conversão, à resistência contra o mal” (Bento XVI, Jesus de Nazaré, p. 88, Edit. Planeta). O Gólgota até este dia era o mais infame de todos os lugares do mundo; mas quando a cruz de Cristo ali elevou-se tornou-se o mais glorioso e santo lugar.
Há que dizer-se – e muitos não hão de concordar-me – que muitos corações são hoje verdadeiros montes Calvários. Do coração saem todos os homicídios, blasfêmias e ódios, injúrias e adultérios. De sorte que pior é o nosso coração do que o Calvário; pois lá se castigavam os delinquentes, mas nos corações formar-se-ão os crimes, delitos e todo o tipo de delinquencia. No Calvário castigavam-se as blasfêmias e falsos testemunhos, mas em nossos corações insistimos em fazê-los. No Calvário castigavam-se os ladrões, mas em nossos corações roubamos o tempo de Deus para dá-lo ao mundo. E eis por que mais horrendos são nossos corações do que o Monte Calvário. Mas da mesma forma que Cristo transformou aquele lugar em santo e venerável, assim cremos que o fará com nossos míseros corações; de lugares sujos tornar-se-ão lugares de santidade.
“Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim será levantado o Filho do Homem” (Jo 3, 14). Pois este é o dia da elevação; é este o dia de deixarmos nossos corações serem atraídos a Cristo. Ainda assim haverá quem, neste dia, resista com um duro e obstinado coração? Oh! Quão ingrato sois, e que tristeza tamanha causais vós, insolente coração. Como podes negar Aquele que é tua força e, consequentemente, colocar-te a beira da tua destruição? Outrora fora Cristo crucificado elevado no Calvário, seja agora elevado no altar dos nossos corações. Digo-vos que todo cristão [todos mesmo!], deveriam levar em seu coração um Crucificado. Pois creio que nos faria pensar muito antes de ferirmos o Senhor com nossos pecados.
Que exemplo é Vós Senhor meu! Nascente pobre e pobre haveríeis de morrer; nasceste despido e despido voltavas para Deus; nascestes com um puro coração, e assim voltavas para Deus, nascestes amando, e amando te aproximastes do Pai. Pois que em tudo haveria Cristo de nascer e morrer com igual medida, como pudera falar ontem. E que depois de tão excelso exemplo haja cristãos que mantenham a soberba no mundo! E que de tão excelso exemplo haja fiéis que disputam para ver que maior será! E que depois de tão excelso exemplo tramem os homens injúrias e ofensas a Vós em seus corações! Certo está Padre Vieira que diz: “Desacreditai-vos, fiéis, que fiéis não sois. Desacreditai-vos, cristãos, que cristãos não sois”. O que vos afirmo parece ser duro? Dureza maior há nos corações daqueles que se reúnem hoje para celebrar a Paixão, mas os seus interiores estão entregues a libertinagem e ao pecado. E se me faço parecer duro, mais duro são os que não se reúnem em nome de Cristo, mas vão à Igreja com o coração endurecido pelo pecado. Aqueles, no entanto, que buscam ao Senhor e de coração vão adorá-Lo e contemplar o sacrifício redentor da Sua Paixão, esses são bem aventurados, pois encontram toda a Sua benevolência e os seus braços abertos a os acolher.
Na segunda leitura, o autor da homilia aos Hebreus escreve: “Temos um sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus: Jesus Cristo, o Filho de Deus. Por isso permaneçamos firmes na profissão de fé” (4, 14). Esta mensagem dirigir-se-á, sobretudo a nós, cristãos. Devemos permanecer firmes no atual contexto da sociedade. Jesus penetra nos céus! Pois como Ele uma vez penetrou, também penetraremos para contemplar sua incessante face.
Só poderá estar com Cristo quem com Ele crucificar-se, uma vez que “da cruz brota a grande fecundidade” (Bento XVI, op. cit. P. 170). Ó tamanha desventura que nos chamemos cristãos mas não ajamos como se fossemos de Cristo. Mas vos digo que tenhais fé! Bons tempos hão de vir ao nosso encontro, mas precisamos nós também irmos ao encontro deles. Paulo dirá que com Jesus estava crucificado. Pois vede como este apóstolo amava incomensuravelmente a Cristo, a ponto de crucificar-se com Ele na mesma cruz. Christo confixus sum cruci! Estou crucificado com Cristo. E nós haveremos de perguntar: Não parece minúsculo este espaço? Não seria impossível caber menos que uma pessoa? Ora, digo-vos que não. Pois onde coubera Deus nós todos caberemos.
E com que cravos haveremos de ser crucificados? E quem serão os algozes a fazê-lo? Deixarei que agora fale um grande pregoeiro do Evangelho. Dirá Padre Antonio Vieira: “O primeiro cravo do temor de Deus prega-o um algoz, que se chama Pensamento da Morte; o segundo cravo do temor de Deus prega-o outro algoz, que se chama Pensamento do Juízo; e o terceiro cravo do temor de Deus prega-o outro algoz, que se chama Pensamento do Inferno” (Sermão da Crucifixão do Senhor). Quais cravos hão de ser usados no-lo sabemos; e quem haverá de fazê-lo sabemos também. Mas eis que deveríamos saber uma terceira questão: o que crucificaremos com estes três cravos? Em primeiro lugar haveremos de pregar o primeiro e maior dos nossos inimigos: os desejos impuros que de Deus nos apartam. Por meios destes as almas de muitos já se perderam e as de muitos haverão de perder-se. O segundo a ser crucificado deve ser os olhos, para que limitemo-nos a ver apenas aquilo que é salutar à nossa edificação e desprezemos os gostos de Satanás. E o terceiro que deve ser crucificado é a língua. Mas como crucificaremos a língua? Ela nos serve para a pregação do Evangelho. Sim, muito nos serve a língua; porém para nada servirá se, antes da língua, não mostrarem os exemplos que deveras vivo o cristianismo. A língua que não é crucificada há de servir ao Evangelho, mas também servir-se-á das coisas mundanas. Porém, a língua que está crucificada com Cristo somente poderá falar coisas santas e úteis, pois não lhe permitirá que fale o cravo do “Pensamento do Inferno”.
E vós? O que já crucificastes e o que havereis de crucificar? Ai de vós, que não vos crucificais com Cristo, mas, ao contrário, O crucificam hoje. E para todos os tempos houve Cristo que ser crucificado: passado, presente e futuro. Ai de vós! Outrora era o Senhor crucificado, não sabiam o que faziam os seus algozes, e por isso clama: “Pater, dimitte illis, non enim sciunt, quid faciunt – Perdoai-os, Pai, eles não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). É amoroso e misericordioso Jesus a ponto de sacrificar-Se por nós. Mas, estas mesmas palavras que absolviam os seus assassinos nos condenam a nós. “Os que crucificavam a Cristo no monte Calvário merecem perdão e tem desculpa, porque não sabiam o que faziam, nem conheciam a quem crucificavam; mas quando crucificamos a Cristo com nossos pecados, não temos desculpa nenhuma, e somos totalmente indignos de perdão; porque cremos que Cristo é Deus, e cremos que morreu por nós, e cremos que nos há de vir a julgar, e contudo crucificamo-lo. Se o mesmo Cristo, advogado nosso, e que tanto nos ama, não achar com que nos defender, vede o que será de nós. Valha-nos sua misericórdia infinita, que só por ser infinita nos pode valer” (Pe. Vieira, op. cit.).
Horas de suplício terríveis passara o Senhor na cruz. Há dois suplícios que sofria Cristo: um interior e outro exterior; um que dilacerava o corpo e outro que dilacerava a alma. Padecia as dores da flagelação, da coroa de espinhos, dos cravos, da sede, da carne dilacerada. Mas padecia as blasfêmias dos que, não se contentando em vê-Lo crucificado, ainda o insultavam. Pois uma coisa pede Cristo: Perdoai-os! Ó coração tão amoroso, que ama mesmo aqueles que vos fazem mal. Mas, que deve ser o amor, senão a graça de rezar mesmo pelos que nos perseguem e nos amaldiçoam! Por duas vezes Cristo exercita o perdão na cruz: aos seus algozes e ao ladrão arrependido. “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Pecamos e tantas vezes quis Deus perdoar-nos. E ainda há os que pecam confiando na misericórdia de Deus, e a estes eu digo: ferida a justiça de Deus ainda recorremos a Sua misericórdia; mas se ferirmos sua misericórdia a que recorreremos?
Que Maria, mãe dolorosa, sempre aos pés da cruz, nos ajude em nossa caminhada rumo aos céus. Para que o Senhor, em sua infinita misericórdia se recorde de nós. Como disse o salmista: “Fortalecei os corações, tende coragem, todos vós que no Senhor confiais” (Sl 30, 25).
Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/