31.03.2011 - “Para alguém poder receber e conservar as inspirações de Deus tem que apreciar a solidão, o sossego, o silêncio interior e exterior, caso contrário, ou não vai recebê-las, ou elas, recebidas, vão se enfraquecer e se dissipar”.
São Gaspar Bertorni - Fundador dos estigmatinos
Em várias tradições religiosas e filosóficas o deserto é o lugar de purificação, decisão, mudanças, abissais meditações e renascimento de uma nova vida.
As condições ambientais de despojamento, próprias do deserto, são favoráveis as profundas reflexões do interior. Assim, a viagem da alma é levada ao imensurável. Esta é a experiência autotranscendental.
A vida dos grandes homens foram impactadas no encontro com Deus no deserto: Moisés (Ex 3,1-6); Davi (1Sm 24,1; Sl 55,7); Elias (1 Rs 19, 8-14); João Batista (Lc 1, 80; 3,2); Paulo (Gl 1, 15-21). O deserto é o lugar sublime do encontro do “eu” frágil, finito e pecador com o Senhor Deus Santo, Eterno e Todo-Poderoso.
Essa é a verdadeira prova que o deserto propício à revelação das nossas incompatibilidades. Todo o nosso ser é descoberto, desnudado e nada pode ser escondido ou negado. “Aqui estão às tentações do deserto: “Eu”, as minhas misérias e os anjos” (Ex 23,20; Dt 8,2.3; Mt 4,11).
A exortação é muito forte no deserto. Somos agraciados com a humilhação, perdão, reconciliação e comunhão com Deus.
O grande místico São João da Cruz dizia: “Que quanto mais perto de Deus chega à alma, tanto mais consciência terá de sua imperfeição”. No deserto só há uma lugar para ficar perto: de Deus.
SOLIDÃO E SILÊNCIO
O mundo não sabe da solidão e do silêncio. O silêncio desconstrói o mito dialogal humano. O ser humano não é apenas extroversão, comunicação e conexão. Ele é também silêncio, incomunicabilidade e mistério.
Silêncio e solidão nada têm a ver com o quadro psicopatológico. Fuga, paliativo, placebo e panacéia estão desconectados com a realidade do nosso silêncio e recolhimento.
Isolamento por desacertos psicológicos não pode ser tomando como caminho espiritual do silêncio sagrado e fecundo, porque o contexto da solidão está bem acompanhada: da consciência do “eu”, dos santos, dos anjos e da Santíssima Trindade. O solitário e o individualista materialista estão sempre sozinhos e infelizes.
O silêncio e a solidão aqui tratados são na dimensão mística – contemplativa. Caminhamos com ascese e a hesychia (palavra grega para a oração do coração, significando quietude e silêncio).
O exercício do bendito silêncio leva o fim do estiolamento da mente e a limpeza da alma tisnada.
A alma deseja profundamente o mistério, o silêncio para ter mais intimidade com Deus. É por demais dialogante o silêncio da alma.
A belíssima e a grande Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “Muitas vezes apenas um silêncio sem palavras expressa a minha oração. Deus a compreende”.
Pela ascese do silêncio e da solidão, encontramos paz, sossego, paciência, amor e o nosso Bem Maior: Deus.
Silêncio e solidão
Leva-nos a Deus com
Oração e reflexão
Com caridade ao irmão
E ao mundo a evangelização
Em prol das almas a salvação
Para felicidade de eterna comunhão.
A IMPORTÂNCIA DO DESERTO
“Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto” (Mt 4,1).
Na completa desolação do deserto físico é possível:
• Ver as coisas claramente, sem as distrações do mundo;
• Viver na simplicidade, valorizando apenas as necessidades básicas para sobrevivência;
• Discernir o que realmente importa para a vida (1Jo 2,16), como, por exemplo, que um copo de água é mais importante que um diamante.
Entretanto, como não moramos no deserto, nós precisamos chegar às mesmas conclusões citadas acima, mesmo vivendo em meio às distrações do mundo. E a Quaresma é o tempo ideal para deixarmos o Espírito Santo nos conduzir ao nosso deserto espiritual e nos falar ao coração9 (Os 2,16). Alguns, talvez, tenham dificuldade para ver a semelhança entre o deserto espiritual e o deserto físico, mas ela existe, de fato, pois tanto em um como em outro:
• As tentações estão presentes, e podemos reconhecê-las claramente;
• A tudo o que parece ser importante para o mundo, como bens matérias e prestígios, nada valem;
• Tudo o que é desvalorizado pela sociedade secular, como, por exemplo, a Palavra de Deus, a oração, o jejum e o silêncio possuem um imenso valor espiritual;
• Somente a proteção de Deus e o que Ele nos provê são importantes; e as conseqüências de nossa desobediência a Suas orientações nos serão fatais.
Na Sagrada Escritura, o deserto tem grande significado, pois ele é tido como um lugar de amor (Jr 2,2), para onde o Senhor nos atrai (Os 2,16) e derrama sobre nossos corações, através do Espírito Santo, todo Seu amor (Rm 5,5). É no deserto que nós, como os israelitas, somos alimentados apenas pelo maná do Senhor (Ex 16,35) e nos regozijamos plenamente (Is 35,1). Por isso, é importante refletirmos sobre o deserto; em especial sobre o nosso deserto espiritual, pois é nele que preparamos “um caminho para o Senhor” (Is 40,3).
JESUS EXPERIMENTOU A SOLIDÃO
“Estou como o pelicano do deserto, como pássaro solitário no telhado. E me deixareis sozinho: mas não estou só, porque o Pai está comigo”.
(Salmo 102,7.8; João 16,32).
Ele era “como o pássaro solitário no telhado”. Nesses termos é ilustrada uma das características da personalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amava os homens e andava entre eles, mas exatamente por causa de Sua perfeição, foi incompreendido e rejeitado. Ainda outros versículos demonstram Sua solidão: “E cada um foi para sua casa. Jesus, porém, foi para o Monte das Oliveiras” (João 7,53; 8,1). “O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lucas 9,58). Seu povo não O reconheceu como o Messias prometido (João 1,10-11). Seus próprios discípulos O compreendiam muito pouco.
Nessa solidão Jesus Cristo vivia próximo de Seu Deus e Pai. “E aquele que me enviou está comigo. O Pai não me tem deixado só porque eu faço sempre o que lhe agrada” (João 8,29). Contudo, por causa de nossos pecados, os quais foram expiados, teve de ser desamparado por Deus durante as três horas de total escuridão na dolorosa cruz. Porém o Senhor Jesus permaneceu perfeito em Seu amor.
Por isso, se tivermos de atravessar a dor e a solidão, pensemos no Senhor Jesus. Ele passou por circunstâncias semelhantes e sabe o que sentirmos. Ele está vivo e nos ama. Muitos cristãos têm experimentado isso. Quando estava na prisão, o apóstolo São Paulo escreveu: “Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam... Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me” (2 Timóteo 4,16-17). Ao confiarmos nEle, passaremos a conhecê-Lo como o nosso Senhor e Salvador, e a Deus como o nosso Pai que nos ama e jamais nos abandona.
A SOLIDÃO: UM CAMINHO PARA DEUS
A solidão do idoso no crepúsculo de sua vida, a do jovem em seu quarto, a solidão da dor, da doença... Pode nos alcançar a qualquer momento. Por vezes é uma solidão causada pela separação, por nos sentirmos abandonados, mas também é o sofrimento de encarar a si mesmo, sem máscaras nem proteção. Isso faz parte da dura realidade da vida.
Podemos estar rodeados de colegas e amigos, e, ao mesmo tempo, sentir essa solidão, pois a necessidade de amar e ser amando nem sempre estão satisfeita.
A solidão física pode ser um deserto em nossa vida, mas também pode ser um caminho para Deus. O jornalista francês Jean-Paul Kauffmann, seqüestrado e mantido cativo no Líbano por três anos, escreveu: “Como Deus se manifesta? No silêncio, através da solidão e da renúncia! É claro que não tenho a menor saudade do tempo em que estive preso. Porém devemos admitir que a vida de uma pessoa livre conduz à distração e dispersão da personalidade. Então se perde essa proximidade com Deus”.
Às vezes é o próprio Deus que nos separa para estarmos a sós com Ele, para, desse modo, atrair, nossa atenção. Não fujamos desses momentos que Ele deseja ter conosco, longe do barulho, das agitações, das preocupações e de tantas ocupações.
A vida torna-se rica em virtudes, profundamente espiritual, fecunda em obras, mística abissal e escondida na graça do santo silêncio e da solidão.
A RIQUEZA DO SILÊNCIO
“As coisas visíveis provém daquilo que não se vê” (Hb 11, 2b).
Recebemos as coisas mais, ricas, maravilhosas, belas e duradouras no silêncio que não se vê, mas que sente e vive em companhia celestial.
O silêncio vale mais do que todos às riquezas do mundo. De posse de toda fortuna da face de terra, pode-se perder a alma e a maior de todas as riquezas: “O céu de glória”.
Quanto vale o silêncio? Qual é o seu peso? Qual é o seu tamanho, cumprimento, largura, altitude, profundidade? Seu sentido é horizontal ou vertical? Onde ele começa e termina? Como é sua cor e o seu gosto?
Uma palavra responde tudo isso: “Mistério”. O silêncio é um mistério abissal. Não existe inteligência humana que possa desvendar tal mistério. O místico pode viver o mistério e dele receber visões, mas jamais a revelação do próprio mistério.
OS GRANDES MESTRES DO SILÊNCIO
Quem deseja viver a experiência do glorioso silêncio é necessário conhecer a vida dos grandes mestres contemplativos.
O princípio pedagógico dessa caminhada é viver essa realidade nos retiros espirituais, e é de suma importância um orientador espiritual.
Citamos alguns nomes para o início dessa JORNADA ESPLÊNDIDA: São José, patriarca da Sagrada Família; Maria, mãe do Salvador; Santo Antão, pai dos monges do deserto; São Basílio Magno, pai dos monges orientais; São João Maron, pai dos maronitas; São Bento, pai dos monges ocidentais; São Bruno, fundador dos cartuxos; São Bernardo de Claraval, abade cisterciense; Santo Tomás de Aquino, frade dominicano; Santa Gertrudes e Santa Matilde, místicas alemãs; Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, ambos reformadores carmelitas; São Serafim de Sarov, eremita russo; São Pio, o frade das chagas de Cristo; Santa Teresinha do Menino Jesus, religiosa carmelita; Marhe Robim, fundadora do Foyer de Charité; Dom Thomas Keating, OCSO, ex-abade trapista americano. De azul: são considerados os grandes santos da abissal espiritualidade do silêncio.
“Nós, portanto, rodeados de uma nuvem tão grande de testemunhas, desprendemo-nos de toda carga e do pecado que nos encurralas, corramos com constância a corrida que nos espera, com os olhos fixos naquele que iniciou e realizou a fé em JESUS. Recordai vossos guias, que vos transmitiram a palavra de Deus; observando o deslanche de sua vida, imitai sua fé” (Hb 12, 1.2; 13,7).
Devemos imitar a vida dos grandes heróis da fé, aqueles que viveram ao lado do bom Deus. (1 Cor 11,1).
CONCLUSÃO
O mundo vive a inflação e a usina hidrelétrica das palavras. A poluição sonora e o turbilhão da conversação causam doença para alma. O fechamento para o nobilíssimo silêncio é muito forte em nossa sociedade enferma. O barulho maléfico é um esquema que afasta o ser humano do silêncio espiritual e terapêutico e da plena comunhão com Deus. Com tanta zoada e imagem tem muita gente surda e sega.
O mundo vive no dilema parcial, virtual, superficial, fútil e infernal. O sistema faz o ser humano ser desconhecido, ter medo de si mesmo, ser raso, vazio e boçal.
Na graça do silêncio, o encontro é inevitável! A descoberta acontece. A surpresa da revelação interior é tremenda. A pessoa possa conhecer mais sobre si mesma. Progride na sabedoria e se aprofunda nas coisas valorosas da espiritualidade. Busca viver uma intensa comunhão com o bom Deus e com o seu semelhante.
Só no silêncio gloriosíssimo aprendemos de fato e de verdade escutar a Palavra libertadora do Criador. A voz suave e delicada do Espírito Santo faz iluminar o nosso espaço e a nossa alienação, infantilismo e mediocridade desaparecem. Na dimensão solidária do amor silencioso e da solidão deixamos de ser marionetes e fantoches do sistema mundano.
No silêncio abissal
Vivo o amor celestial.
Com pureza de coração
Vivo sem palavras falsas.
E nem pensamentos vãos.
Nesse mistério tenho
O Senhor em minha direção.
Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Pregador de Retiros Espirituais
Mestre em Psicanálise Educacional
Especialistas em Ciência Social da Religião
E-mail: [email protected]
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