O sacerdote deve ser um pedaço vivente do Evangelho


08.03.2011 - Sacerdote deve se converter à sua própria identidade.

Carta do cardeal Mauro Piacenza aos sacerdotes para a Quaresma.

ROMA - O sacerdote deve ser um “pedaço vivente do Evangelho que todos possam ler e acolher”, e para isso deve fazer a experiência profunda da “conversão à sua própria identidade”.

É o que afirma o cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação para o Clero, em uma carta dirigida aos sacerdotes por ocasião da Quaresma.

“Devemos nos converter naquilo que somos”, escreve o purpurado. “A identidade, recebida sacramentalmente e acolhida por nossa humanidade ferida, pede-nos o progressivo moldar de nosso coração, de nossa mente, de nossas atitudes, de tudo quanto somos, à imagem de Cristo Bom Pastor, que foi impressa sacramentalmente em nós”. “É na eucaristia que o sacerdote redescobre a própria identidade”.

Segundo o cardeal, “um mundo descristianizado precisa de uma nova evangelização, mas uma nova evangelização exige sacerdotes ‘novos’, mas não no sentido de impulso superficial de uma efêmera moda passageira, mas com um coração profundamente renovado por cada Santa Missa”.

Importante é sobretudo “a conversão do ruído ao silêncio, da preocupação com ‘fazer’ para o ‘estar’ com Jesus”. Mas também a conversão à comunhão, que se realiza “redescobrindo o que realmente significa: comunhão com Deus e com a Igreja e, nela, com os irmãos. A comunhão eclesial se caracteriza fundamentalmente pela consciência renovada e experimentada de viver e anunciar a mesma doutrina, a mesma tradição, a mesma história de santidade e, portanto, a mesma Igreja”.

“Estamos chamados a viver a Quaresma com um profundo sentido eclesial, redescobrindo a beleza de estar em uma comunidade de êxodo, que inclui toda a Ordem sacerdotal e todo nosso povo, que olha os próprios pastores como um modelo de segura referência e espera deles um renovado e luminoso testemunho.”

A Igreja e o mundo têm necessidade de “sacerdotes serenamente penitentes diante do Santíssimo Sacramento, capazes de levar a luz da sabedoria evangélica e eclesial às circunstâncias contemporâneas, que parecem desafiar nossa fé, que se tornem na realidade autênticos profetas, capazes, por sua vez, de lançar ao mundo o único desafio autêntico: o desafio do Evangelho, que chama à conversão”.

“Às vezes – concluiu – o cansaço é verdadeiramente grande e vivenciamos ser poucos, em relação às necessidades da Igreja. Mas, se não nos convertemos, seremos cada vez menos, porque só um sacerdote renovado, convertido, ‘novo’, converte-se em instrumento eficaz, através do qual o Espírito chama novos sacerdotes.”

Fonte: www.zenit.org

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Nota de www.rainhamaria.com.br - por Dilson Kutscher

Apenas uma simples pergunta: Quantos padres ainda existem como este do texto abaixo?

* * *

Padre Antônio. (o velho e tradicional Vigário)

Numa cidadezinha perdida e esquecida, lá nos confins deste tão imenso Brasil, existe uma igreja quase sem existir. Em torno, mil ou duas mil almas mais ou menos desalmadas; dentro, um velho vigário a fazer contas intermináveis, e um padre coadjutor, na sacristia, a olhar o morro, a linha férrea lá longe, o rio, talvez o céu.

Já traz cinzas na cabeça e uma curvatura nas costas, mas naquele momento o que mais lhe pesa é a solidão que cerca a velhice que se aproxima. Está ali. Não é nada. Não sente forças para fazer nada pela vila indiferente que quer viver sua vida rotineiramente encaminhada para a morte. Sente-se inútil a mais não poder. Quer que ele celebre a única missa da féria, e com uma só porta apenas entreaberta. Precaução aliás inútil porque ninguém mais aparece nas missas dos dias da semana. O povo não gostou quando o vigário tirou os santos que há mais de cem anos povoavam a velha igrejinha. Diminuiu a assistência à missa, diminuíram as confissões. A conversa com o vigário, na hora do jantar, reduz-se a monossílabos.

Padre Antônio torna a pensar nas coisas que se perderam: a água benta, a oração do terço à noite, os santinhos que dava aos moleques na rua com magnanimidade, e tudo o mais que fazia companhia, que cercava a alma da gente nas igrejinhas da roça. Por que esta devastação? O vigário não gosta de abordar o assunto. Sofre a seu modo, com a tenacidade obtusa dos animais feridos. Cerra os dentes. Não pensa. Não fala. Faz o que o bispo mandou fazer e encerra-se num mutismo quase vegetal. Às vezes parece ter gosto de transmitir seu sofrimento fazendo um outro sofrer. É seu modo de conversar, e quem paga é padre Antônio.

Um dia padre Antônio não encontrou sua velha batina e teve de pedir uma explicação a d. Ana e ao vigário. Explicaram-lhe que estava imprestável. Ganharia nova batina? Não. Clergy-man também é muito caro. Padre Antônio deveria comprar na loja do João Mansur umas calças de lonita e duas camisas esporte. E é com esta roupa pobre que padre Antônio agora se debruça na janela e consulta o infinito. Pobre, pobre padre Antônio. Ele nunca foi propriamente vaidoso e preocupado com a roupa que haveria de vestir, como aconselha Nosso Senhor. Mas essa história da batina doía-lhe ainda como se estivesse em carne viva, como se 1he tivessem arrancado a pele. E o pior é pensar que é com esta roupa por baixo, esta roupa de rua, esta roupa sem bênçãos que deve celebrar a Santa Missa. Disseram-lhe que era mais prático usar uma só alva por cima do traje esporte. E esta alva não era mais daquelas antigas, rendadas e compridas. Padre Antônio não queria as rendas para si, já que era desgracioso e escuro: queria-as para enfeitar o louvor de Deus. Mesmo porque, descontada alguma andorinha, nenhum ser vivo aparecia para assistir ao Sacrifício de nosso Salvador. Nem valia a pena bater a campainha. As novas alvas não têm rendas. São ordinárias e curtas, sim, curtas, porque o importante é aparecerem as calças para todo o mundo ver que o padre é homem, como outro homem qualquer.

Está na hora de preparar a missa da tarde, e padre Antônio sente a tristeza aumentar. Está só. Está só. Não tem com quem falar. Poderá conversar na farmácia com a turma do gamão do Frederico, mas depois a volta para a casa é ainda mais pesada. Poderá perguntar a d. Emília se está melhor do reumatismo, e a d. Maria se o marido já voltou do Rio. Mas não tem ninguém com quem possa falar, com quem possa desabafar, a quem possa explicar a desmedida tristeza de vestir por cima das calças uma alva sem rendas, e a quem possa dizer a saudade que tem da batina preta, a batina bendita em que um dia amortalhara o homem velho para viver em Cristo Nosso Senhor. E não tem ninguém a quem possa perguntar tremendo: «O que é que está acontecendo em nossa Igreja? E o Papa?» Ou então alguém, um irmão, um padre, a quem possa dizer com medida indignação: «Não pode ser! Não pode ser! As portas do inferno não prevalecerão!»

Padre Antônio olhou mais uma vez para o horizonte que a noite já escondia. O mundo começava além daquela serra... O mundo! Padre Antonio curvou a cabeça como um condenado. Estava preso! Estava preso! Abriu então as duas mãos grandes e magras que considerou com triste ternura: um dia elas tinham recebido o poder de consagrar o Pão e o Vinho, e de trazer assim ao mundo, como a Virgem Santíssima, o Corpo de Deus. Mãos grandes, mãos nervosas e escuras, mãos consagradas. Ao menos esta pele não lhe arrancam, esta marca não lhe tiram.

Num desamparo infinito padre Antônio contemplava as duas mãos frementes, tão poderosas e tão inúteis. Turvava-se o espírito, vacilava a razão e a fé. Estão ali as mãos. E o resto. E a água benta? o Latim? as coisas da Igreja? As palmas inúteis não respondiam às suas indagações, e até pareciam pedir-lhe uma resolução, uma decisão, já que a mão foi feita mais para fazer do que para pensar... O que é isto? O que é isto nas palmas das mãos? Estará chovendo? Padre Antônio, padre Antônio, o senhor está chorando. Quem foi que falou? Ninguém. Ninguém. É o próprio padre Antônio que tomou o costume de falar com o padre Antônio.

Juntam-se as mãos. E das profundezas dos abismos que todos trazemos, mesmo debaixo de uma camisa esporte, subiu um clamor de aflição: «Usquequo exaltabitur inimicus meus super me? Respice et exaudi me! Respice et exaudi me! Respice et exaudi me, Domine Deus meus...».

E então, neste momento infinito, padre Antônio teve a incomparável certeza de que não estava só.

Por Gustavo Corção (15-02-1969)

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Artigo do Padre José do Vale: Santos Sacerdotes


 


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