08.02.2010 - Cardeal Odilo Scherer falou a presbíteros em encontro nacional
SÃO PAULO- O arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer, recordou esse domingo com sacerdotes brasileiros “a tríplice compreensão do nosso ministério sagrado”.
Dom Odilo falou a cerca de 500 padres reunidos em Itaici (Indaiatuba, São Paulo), para o Encontro Nacional de Presbíteros.
No dia da ordenação sacerdotal – assinalou o prelado – “fomos ungidos e consagrados pelo Espírito Santo para o serviço do sacerdócio de Jesus Cristo; ele é o Profeta de Deus (Palavra de Deus), o Sacerdote do Altíssimo (santificador) e o Pastor e guia da humanidade”.
No exercício do múnus profético, “sejamos sacerdotes devotados à Palavra de Deus, servindo a Cristo, ‘Palavra da salvação’, verdade de Deus para a vida do mundo”.
O cardeal desejou que, através dos padres, o povo “ouça, acolha, ame e viva a Palavra de Deus, fonte da fé, luz para vida, conforto para a alma”. Advertiu que “não deve faltar a boa pregação, sobretudo na homilia dominical”, e que “não falte ao povo a formação na fé”.
“Como mestres da verdade do Evangelho, não nos omitamos, nem tenhamos medo de defender a fé do povo, quando preciso for, sempre em sintonia com o Magistério da Igreja. Não somos pregadores de uma verdade ‘nossa’, mas, servidores da verdade de Deus e da Igreja”, disse o cardeal.
Dom Odilo recordou ainda que os presbíteros são chamados a ser “ministros do sacerdócio de Cristo, para a santificação do povo, celebrando com ele e por ele os ‘mistérios da vida e da santidade’, nos sacramentos”.
Nesse contexto, “lugar destacado deve ter a Eucaristia e a confissão”. Ele insistiu na necessidade da “celebração diária da Eucaristia, com muito povo, ou com apenas poucas pessoas”.
“Celebramos sempre com a Igreja toda, por ela e em nome dela, mesmo quando, visivelmente, ela não está presente. Sem a Eucaristia diária, o sentido próprio de ser padre vai se diluindo”, afirmou o arcebispo.
“Mas o serviço sacerdotal também deve nos levar a ensinar o povo a rezar, a fazer oração diante dele e com ele, por suas necessidades e aflições; a incentivar a oração pessoal, as devoções e a religiosidade popular”, assinalou.
Dom Odilo considera que “seria desejável” que em todas as nossas igrejas houvesse a adoração eucarística, uma vez por semana. Também a iniciação à liturgia das Horas, que “poderia ser introduzida nos domingos à tarde, antes da Missa vespertina”.
O cardeal pediu ainda que os padres sejam “bons pastores do povo, a exemplo de Cristo, Bom Pastor”.
“Não abandonemos o bem espiritual do povo, com o pretexto de resolver primeiro problemas ‘sociais’, que competem por dever de ofício a outros agentes sociais. O povo, antes de tudo, espera receber de nós as atenções de ministros de Deus”, disse.
Fonte www.zenit.org
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Nota de www.rainhamaria.com.br
Para recordar o seguinte artigo:
Padre Antônio. (o velho e tradicional Vigário)
Numa cidadezinha perdida e esquecida, lá nos confins deste tão imenso Brasil, existe uma igreja quase sem existir. Em torno, mil ou duas mil almas mais ou menos desalmadas; dentro, um velho vigário a fazer contas intermináveis, e um padre coadjutor, na sacristia, a olhar o morro, a linha férrea lá longe, o rio, talvez o céu.
Já traz cinzas na cabeça e uma curvatura nas costas, mas naquele momento o que mais lhe pesa é a solidão que cerca a velhice que se aproxima. Está ali. Não é nada. Não sente forças para fazer nada pela vila indiferente que quer viver sua vida rotineiramente encaminhada para a morte. Sente-se inútil a mais não poder. Quer que ele celebre a única missa da féria, e com uma só porta apenas entreaberta. Precaução aliás inútil porque ninguém mais aparece nas missas dos dias da semana. O povo não gostou quando o vigário tirou os santos que há mais de cem anos povoavam a velha igrejinha. Diminuiu a assistência à missa, diminuíram as confissões. A conversa com o vigário, na hora do jantar, reduz-se a monossílabos.
Padre Antônio torna a pensar nas coisas que se perderam: a água benta, a oração do terço à noite, os santinhos que dava aos moleques na rua com magnanimidade, e tudo o mais que fazia companhia, que cercava a alma da gente nas igrejinhas da roça. Por que esta devastação? O vigário não gosta de abordar o assunto. Sofre a seu modo, com a tenacidade obtusa dos animais feridos. Cerra os dentes. Não pensa. Não fala. Faz o que o bispo mandou fazer e encerra-se num mutismo quase vegetal. Às vezes parece ter gosto de transmitir seu sofrimento fazendo um outro sofrer. É seu modo de conversar, e quem paga é padre Antônio.
Um dia padre Antônio não encontrou sua velha batina e teve de pedir uma explicação a d. Ana e ao vigário. Explicaram-lhe que estava imprestável. Ganharia nova batina? Não. Clergy-man também é muito caro. Padre Antônio deveria comprar na loja do João Mansur umas calças de lonita e duas camisas esporte. E é com esta roupa pobre que padre Antônio agora se debruça na janela e consulta o infinito. Pobre, pobre padre Antônio. Ele nunca foi propriamente vaidoso e preocupado com a roupa que haveria de vestir, como aconselha Nosso Senhor. Mas essa história da batina doía-lhe ainda como se estivesse em carne viva, como se 1he tivessem arrancado a pele. E o pior é pensar que é com esta roupa por baixo, esta roupa de rua, esta roupa sem bênçãos que deve celebrar a Santa Missa. Disseram-lhe que era mais prático usar uma só alva por cima do traje esporte. E esta alva não era mais daquelas antigas, rendadas e compridas. Padre Antônio não queria as rendas para si, já que era desgracioso e escuro: queria-as para enfeitar o louvor de Deus. Mesmo porque, descontada alguma andorinha, nenhum ser vivo aparecia para assistir ao Sacrifício de nosso Salvador. Nem valia a pena bater a campainha. As novas alvas não têm rendas. São ordinárias e curtas, sim, curtas, porque o importante é aparecerem as calças para todo o mundo ver que o padre é homem, como outro homem qualquer.
Está na hora de preparar a missa da tarde, e padre Antônio sente a tristeza aumentar. Está só. Está só. Não tem com quem falar. Poderá conversar na farmácia com a turma do gamão do Frederico, mas depois a volta para a casa é ainda mais pesada. Poderá perguntar a d. Emília se está melhor do reumatismo, e a d. Maria se o marido já voltou do Rio. Mas não tem ninguém com quem possa falar, com quem possa desabafar, a quem possa explicar a desmedida tristeza de vestir por cima das calças uma alva sem rendas, e a quem possa dizer a saudade que tem da batina preta, a batina bendita em que um dia amortalhara o homem velho para viver em Cristo Nosso Senhor. E não tem ninguém a quem possa perguntar tremendo: «O que é que está acontecendo em nossa Igreja? E o Papa?» Ou então alguém, um irmão, um padre, a quem possa dizer com medida indignação: «Não pode ser! Não pode ser! As portas do inferno não prevalecerão!»
Padre Antônio olhou mais uma vez para o horizonte que a noite já escondia. O mundo começava além daquela serra... O mundo! Padre Antonio curvou a cabeça como um condenado. Estava preso! Estava preso! Abriu então as duas mãos grandes e magras que considerou com triste ternura: um dia elas tinham recebido o poder de consagrar o Pão e o Vinho, e de trazer assim ao mundo, como a Virgem Santíssima, o Corpo de Deus. Mãos grandes, mãos nervosas e escuras, mãos consagradas. Ao menos esta pele não lhe arrancam, esta marca não lhe tiram.
Num desamparo infinito padre Antônio contemplava as duas mãos frementes, tão poderosas e tão inúteis. Turvava-se o espírito, vacilava a razão e a fé. Estão ali as mãos. E o resto. E a água benta? o Latim? as coisas da Igreja? As palmas inúteis não respondiam às suas indagações, e até pareciam pedir-lhe uma resolução, uma decisão, já que a mão foi feita mais para fazer do que para pensar... O que é isto? O que é isto nas palmas das mãos? Estará chovendo? Padre Antônio, padre Antônio, o senhor está chorando. Quem foi que falou? Ninguém. Ninguém. É o próprio padre Antônio que tomou o costume de falar com o padre Antônio.
Juntam-se as mãos. E das profundezas dos abismos que todos trazemos, mesmo debaixo de uma camisa esporte, subiu um clamor de aflição: «Usquequo exaltabitur inimicus meus super me? Respice et exaudi me! Respice et exaudi me! Respice et exaudi me, Domine Deus meus...».
E então, neste momento infinito, padre Antônio teve a incomparável certeza de que não estava só.
Por Gustavo Corção (15-02-1969)