Artigo de Marisa Bueloni: O mundo vai acabar


27.10.2009 - O mundo vai acabar e eu não fiz nada. Os sinais são evidentes, o Apocalipse de São João começa a se cumprir, o calendário maia aponta o fim para 2012 e fico pensando no que vai dar tempo de fazer até lá. Não sei se caso ou se compro uma bicicleta.

O mundo vai acabar, todo mundo está profetizando. Dizem que uma pedra imensa, um asteróide de nome Eros, está rondando o espaço, em rota de colisão com a Terra. E que haverá uma iluminação nas nossas almas no momento do abalo. Mas, caramba, tinha de se chamar justo “Eros”? Nome mais lindo!

Buuummmm! Vai ser um estrondo e tanto. E nós vamos explodir juntos com este impacto colossal? Oh, não! O que vai sobrar? Vai dar tempo de acabar o meu “Poema Inacabado”? De fazer um bolo de fubá e coar um café? De dar um passeio nas margens do rio Piracicaba? De assistir a mais uma missa do padre Edvaldo? De comer um lombo de filhote na brasa, com cerveja gelada, lá no Remador?

Dizem que não ficará pedra sobre pedra. Oh, eu quero tocar no que vai remanescer. Permiti-me habitar esta Nova Terra, meu Senhor e meu Deus! Não faço conta de tossir a poeira cósmica que será respirada por todos os sobreviventes, após o cataclismo final. Mas, depois, quero inalar o ar puro do novo Éden!

O mundo vai acabar, os prognósticos são os mais sombrios possíveis. Vai nada, penso. Olha a folhinha do Sagrado Coração de 2010, as agendas já estão todas prontas, as gráficas trabalham a todo vapor. O mundo não pode acabar, ano que vem tem o Mundial na África do Sul.

O mundo não pode acabar tão cedo, falta a Copa do Mundo em 2014 aqui no Brasil (ai,ai,ai...) e, depois, as Olimpíadas no Rio, em 2016 (hummm...). Como é que ficam estas agendas mundiais, se o mundo acabar?

Mas eu não paro de ouvir, dia e noite, que o juízo de Deus vem aí. E o atestam todos os cientistas e estudiosos da matéria, os livros escatológicos, os filmes de Hollywood, os astrônomos e os astrólogos. Todas as religiões e todas as seitas. O mundo vai acabar, prepare-se.

Como deverá ser esta preparação? Mudamos-nos todos para o Planalto Central – a única parte do Brasil que ficará totalmente seca, uma vez que quase todo o nosso continente afundará?

Já fizeram piada disso: mas aqueles safardanas ainda vão se salvar todos? Pois é... Bobos de nós que trabalhamos, suamos a camisa, andamos direito, pagamos impostos, não temos castelos por aí, e ainda vamos ficar debaixo d´água, enquanto eles, lá em Brasília, dão adeuzinhos de camarote para nós.

Mas se acontecer o adeus final, vou me sentir em falta com relação a tanta coisa: às promessas que ainda não paguei, aos amigos que não visitei, às cartas de amor que não escrevi, aos beijos que soneguei, aos sonhos que não sonhei...

Quero ver se dá tempo de falar para algumas pessoas especiais: ainda que mal lhe pergunte, de que conto de fadas você saiu? Uma delas até já me respondeu: “Eu nunca saí”. Bem feito, quem mandou perguntar? Adorei, Eunice!

O mundo vai acabar e não comi açaí na tigela, só me casei uma vez, não conheço a Capela Sistina, nem a Escandinávia, tampouco um fiorde norueguês.

O mundo vai acabar e não dá mais tempo de ser cantora. Nem cronista, nem poeta, nem escritora. Nem ninguém. Diante da iminência do fim, o que é “ser alguém”?

Com o anúncio final, ando numa sofreguidão de dar pena. Se começa a chover, quero aproveitar o fenômeno meteorológico para ler. Depois, não quero mais, quero escrever. Também me desencanto da escrita, ando pra lá e pra cá, zanzando feito besta, numa maravilhosa tarde de chuva dentro de casa. É de arrasar o coração. Ó lenta agonia da alma, como é a tua face?

O mundo vai acabar e eu ainda não construí a minha sonhada “casinha de Nazaré”, como costumo dizer. Dará tempo? A casa mil vezes projetada, o canto adorado que desenho todos os dias. Melhor tirar esta porta daqui e deixar a passagem livre; esta janela dando para o pátio interno não está boa; três quartos ou dois apenas? Lar doce lar!

O mundo vai acabar e nem comecei meu Neruda. Ainda não comprei o livro do Sergio Antunes. Estou atrasada em relação a um monte de coisas, mas a confissão está em dia, graças a Deus. Pode acabar, “mundo velho sem porteira”, como diria o Liroca, personagem de Érico Veríssimo. Pode acabar, mundão, que estou em estado de graça.

Faz 30 anos que espero a bela devastação. Vem, Eros, que te queros, que te queros, dentro do meu coração!

Marisa Bueloni é formada em Pedagogia e Orientação Educacional – [email protected]


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