Artigo do Padre José do Vale: Vários tipos de religioës


23.05.2011 - “A religião é um veículo da fé – essa, sim, imprescindível para a humanidade”, afirma o cientista americano      Dr. Francis Collins.

“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Neste texto Nosso Senhor Jesus Cristo nos remete à consideração de que os seres humanos não têm apenas de alimentar o corpo físico. Há o clamor da alma, que não se contenta somente com o pão; ou seja, com o alimento material. Existem perguntas que insistem em atravessar os séculos em busca de respostas. É o lado espiritual do homem reivindicando o seu espaço no tempo, em meio às diversas culturas e sociedades. A história da religião acompanha a história da sociedade. Onde estiver o ser humano, ai estará, igualmente, a religião.
O sentido da vida e da morte está relacionado às indagações religiosas antigas que, em nossa época, se mostram influentes e vigorosas, ainda que se apresentem por meio de símbolos secularizados. Em verdade, a religião é constituída de símbolos utilizados pelos homens, mas os homens são diferentes e, consequentemente, seus mundos sagrados também, e, por conta disso, suas religiões são distintas. Os símbolos são variados: altares, rituais, promessas, santuários, comidas, perfumes, amuletos, colares, livros... E todos eles inspiram alguma forma de sagrado, um sagrado que não se reflete apenas nas coisas, mas também nos gestos, expressões e ações, como por exemplo, o silêncio, os olhares, as renúncias, as canções, as romarias, as procissões, as peregrinações, as curas, os milagres, os exorcismos, as celebrações, as adorações e, até mesmo, o suicídio. O renomado pensador irlandês Edmund Burke chegou a dizer que o homem, em sua constituição, é “um animal essencialmente religioso”.
O ser humano tem um desejo abissal pelas coisas espirituais. O seu ser é tremendamente religioso.
As formas de religiões mesclam-se em qualquer fé que queiramos considerar, e, geralmente, as religiões progridem de um tipo a outro ao longo de sua trajetória. Assim, os vários tipos de religiões alistados a seguir não são necessariamente contraditórios ou excludentes entre si. Vejamos:

Religiões animistas. Sistemas de crenças em que entidades naturais e objetos inanimados são tidos como dotados de um principio vital impessoal ou uma força sobrenatural que lhes confere vida e atividade.

Religiões naturais. Pregam a manifestação de Deus na natureza, e, geralmente, rejeitam a revelação divina e os livros sagrados. Segundo seu pensamento, toda e qualquer revelação à parte da natureza não é digna de confiança.

Religiões ritualistas. Enfatizam as cerimônias e os rituais por acreditar que estes agradariam as divindades. Tais ritos e encantamentos teriam poder de controlar os espíritos, levando-os a atuar para o bem ou mal das pessoas.

Religiões místicas. São também revelatórias, porém, seus adeptos acreditam na necessidade de contínuas experiências místicas como meio de informação e crescimento espiritual. Os místicos regem a sua fé pela constante e diligente busca da iluminação.

Religiões revelatorias. Na verdade, seriam uma espécie de subcategoria das religiões místicas. Este grupo de religiões fundamenta-se nas supostas revelações da parte dos deuses, de Deus, do Espírito, ou de espíritos desencarnados que compartilham mistérios que acabam cristalizados em livros sagrados.

Religiões sacramentalistas. São grupos que têm nos sacramentos meios de transmissão da graça divina e da atuação do Espírito de Deus. Estas religiões, geralmente, acreditam que o uso dos sacramentos por meios de pessoas “desqualificadas” impede a atuação do Espírito de Deus. Os sacramentos constituem-se em veículo para promoção do exclusivismo.

Religiões legalistas. São construídas sob preceitos normativos, algum código legal que deve governar todos os aspectos da vida de um indivíduo. Este código é usualmente concebido como divinamente inspirado. O bem é prometido aos obedientes e a punição aos desobedientes.

Religiões racionais. Neste grupo, a razão recebe ênfase proeminente e a filosofia é supervalorizada. A razão, segundo acreditam, seria algo tão poderoso que nada mais se faria necessário além de seu cultivo bem treinado e disciplinado.

Religiões sacrificiais. Pregam a salvação por meio de sacrifícios apropriados. O cristianismo é uma religião sacrificial, no sentido de que Jesus Cristo é reputado como o autor do sacrifício supremo necessário á salvação. A suprema palavra do Senhor declara: “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9,22).
Em sua famosa canção, “Imagine”, o famoso cantor e compositor John Lennon nos convida a imaginar um mundo ideal, sem coisas ruins (entre as quais ele destaca as religiões), propões um mundo em que as pessoas pudessem viver em paz e sugere a religião como fonte incentivadora das guerras.
Com certeza, não podemos negar que o abuso das atitudes religiosas produziu sangrentas guerras entre nós. Entretanto, temos de ponderar que as guerras não nasceram das convicções religiosas, mas, sim, do comportamento errado diante delas, o que é diferente.
Se os homens são tão cruéis com religião, o que seriam deles sem ela? O grande educador italiano e fundador dos salesianos São João Bosco afirmou: “A religião é o único conforto seguro entre as misérias as aflições desta vida”.

FÉ E CIÊNCIA

“A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”, afirma o Papa João Paulo II.

Quase todo mundo acredita que fé e ciência sempre viveram em constante embate. Afinal, a história desse conflito é marcada por casos como o do filósofo italiano Giordano Bruno, queimado vivo pela Inquisição em 1600, e o do astrônomo italiano Galileu Galilei, recolhido a prisão domiciliar até sua morte, em 1642. Alguns estudiosos do tema, no entanto, afirmam que isso não passa de mito. Na verdade, eles dizem: razão e religião sempre estiveram “amarradas” – muitas vezes como uma se alimentando da outra.
“A relação entre dois lados é extremamente complexa, varia conforme a época e o lugar” diz o americano Ronald L. Numbers, professor da Universidade de Wisconsin. Numbers é o organizador do livro Galileo Góes to Jail – And Other Myths about Science and Religion (“Galileu Vai Para a Cadéia – E Outros Mitos sobre Ciência e religião”), uma coletânea com artigos de 24 historiadores que está prestes a ser lançada nos EUA. Ele não nega que, ao longo da história, a Igreja censurou, reprimiu e condenou. Mas aponta momentos de extrema aproximação – até de colaboração – entre dois lados. A crença em Deus inspirou cientistas, enquanto instituições religiosas apoiaram pesquisas e universidades.

 IRA INQUISITÓRIA

Segundo o pesquisador americano, movimentos religiosos surgidos com a Reforma Protestante, no século XVI, foram mais abertos a idéias cientificas do que a Igreja Católica, cujo Tribunal do Santo Ofício – leia-se Inquisição – condenava qualquer questionamento de sua doutrina. Mas até a Igreja assumiu posturas contraditórias: por um lado, censurou teorias como a do heliocentrismo (o Sol no centro do sistema solar), defendida pelo polon Nicolau Copérnico e Galileu; por outro, financiou os primeiros estudos de astronomia. Galileu nunca deixou de ser católico e Copérnico era cônego – uma espécie de empregado administrativo do clero.
“nenhum cientista perdeu a vida por causa de suas visões científicas”, afirma Numbers. “Alguns, como Giordano Bruno, foram queimados pela Inquisição, mas por causa de suas idéias teológicas”. De acordo com o pesquisador Bruno defendia abertamente o heliocentrismo, mas só foi parar na fogueira porque, entre outras heresias, duvidava da concepção da Virgem Maria e da identificação de Cristo como Deu. Ao afirmar que o Universo era infinito e continha vários mundos, também afrontou o dogma cristão de que os humanos são criações únicas, feitas á imagem do Criador.

SOL NAS CATEDRAIS

Durante 600 anos (da Baixa Idade Média do Iluminismo), a Igreja Católica financiou mais o estudo da astronomia do que qualquer outra instituição. Quem afirma é o historiador da ciência John Heilbron, da Universidade da Califórnia. No livro The Sun in the Church (“O Sol na Igreja”, inédito no Brasil), ele afirma que muitas catedrais até serviam de observatórios. Foi uma delas – a Basílica de San Petrônio, em Bolonha, na Itália – que, em 1665, o astrônomo Gian Cassini confirmou que órbita dos planetas é elíptica – tal como o alemão Johannes Kepler havia descrito décadas antes.
“A Igreja também apoiou universidades. Em 1500, havia 600 delas na Europa, e 30% do currículo cobria geometria, ótica e assuntos relacionados ao mundo natural”, diz o historiador da Michael H. Shank, da Universidade de Wisconsin. “Se a Igreja medieval queria reprimir a ciência, ela cometeu um erro colossal ao tolerar e apoiar universidades.” O apoio, no entanto, era seletivo, e também atendia aos interesses da Santa Sé. Ao fomentar o conhecimento, ela podia simultaneamente controlar o que era ensinado aos estudantes, enquanto censurava certos livros pelo suposto atentado a fé e a moral que eles representavam.

FILOSOFIA NATURAL

Muitos cientistas se inspiraram em crenças religiosas para conduzir suas pesquisas. Um deles foi o inglês Isaac Newton, que estabeleceu as bases da ciência moderna. Anglicano, o formulador da Lei da Gravitação Universal dizia que aprender sobre Deus é o primeiro passo para quem se dedica a filosofia natural – como a ciência era chamada no século XVII. Kepler também encontrava motivação em sua fé protestante e acabou descrevendo as leis da mecânica celeste.
“Assim como kleper e Newton, diversos cientistas do século XVII diziam que haviam sido levados a investigar a natureza porque assim, descobriram mais sobre Deus”, diz o pesquisador Ronald Numbers. O argumento era simples: estudando-se o universo natural, aprendia-se tanto sobre Deus quanto lendo a Sagrada Escritura – já que Ele era o autor de ambas.
Escreve São Paulo Apóstolo: Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! (Rm 11,33).

Pe. Inácio José do Vale
Escritor e Conferencista
Professor de História da Igreja
Especialista em Ciência Social da Religião
E-mail: [email protected]

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